Uma possível trilha-sonora da Salvador dos anos 2000. Dessa cidade que, embora cenário de muita exploração, continua resistente, vigorosa. Se ressignifica, se mistura e se impõe no mundo. E por tudo isso gera tantos movimentos, sobretudo na música, fonte e produto da inspiração. É nesse contexto que o álbum Duas Cidades, do BaianaSystem, aparece inserido como uma das forças sonoras de um lugar em transformação permanente.
Essa espécie de dialética soteropolitana, que resulta das enormes desigualdades sociais e dos mitos sobre a cidade, é evidenciada no trabalho da banda. O próprio título representa isso. Ideias-clichês que reinaram nos últimos 20 anos, como a da capital da felicidade e do axé, não têm espaço aqui. No entanto, não é uma obra excludente, pelo contrário, expande as referências a partir de um olhar apurado e crítico da complexa realidade.
Como diz BNegão no texto de apresentação: "Dentro das frestas da selva de concreto e aço brotam novas raízes, de uma espécie soteropolitana ainda não estudada".
Duas Cidades tem doze faixas e foi lançado na última terça, apenas no Deezer, e estará disponível para venda nas lojas e em outras plataformas digitais no dia 8 de abril. Sucessor da obra homônima à banda, o disco tem produção musical de Daniel Ganjaman e conta com participações de instrumentistas baianos, como Rowney Scott, Ícaro Sá, Marcelo Galter, Junix, Cassio Nobre, Márcio Victor, além de Siba e das Ganhadeiras de Itapuã.
No som que amplifica o discurso consistente, a mistura feita por Robertinho Barreto, Russo Passapusso e Marcelo Seco é extensa. Uma atitude estética que bebe de alguns dos principais movimentos de outrora da música brasileira - cujo exemplo fundador é a Tropicália de Gilberto Gil e Caetano Veloso, atualizado nos anos 1990 com o manguebeat, em Recife.
Assim, em Duas Cidades, as referências sonoras da cultura popular da Bahia, como ijexá, os afoxés, samba-reggae, pagode, guitarra baiana, samba chula, entre outros ritmos, são agregadas nos arranjos a uma base em produção contínua, marca do sound system, e a gêneros de fora do país, a exemplo do ragga, dub e reggae. Esse conjunto, aliado à entoação quase falada das letras diretas e contundentes de Russo, torna-se um som com forte singularidade.
Logo na primeira faixa, Jah Jah Revolta, Pt.2, essas características já ficam audíveis. Gravada no Dubstereo, grupo anterior de Russo, e depois no primeiro trabalho da banda, a música ganha nova parte que tem uma interessante combinação do teclado de Marcelo Galter com o saxofone de Rowney Scott, ambos convidados. O riff de guitarra com potência de refrão e a letra também ganham novos contornos que somam.
A sensação de (re)conhecimento das faixas é recorrente em Duas Cidades. E não é só impressão. De fato, essas canções já vêm sendo trabalhadas pela banda. Por exemplo, os versos especulação imobiliária / e o petróleo em alto mar / subiu o prédio eu ouço vaia (...) lucro, máquina de louco, de Lucro (Descomprimindo), são cantados em coro há, pelo menos, três anos por multidões que pulam e dançam arrebatadas pela performance do Baiana em shows e carnavais. A faixa alterna ritmos latinos e ijexá.
Em Dia da Caça, os vocais do refrão sacode, vai ver se pode (...) são divididos entre Russo e As Ganhadeiras de Itapuã. Com passagens de samba-chula, a música tem a interação da viola machete de Cassio Nobre com a guitarra baiana, uma conexão Recôncavo-Salvador. Na letra, o caos da vida urbana.
Já na instrumental Cigano, ocorre outro diálogo, dessa vez com a rabeca do pernambucano Siba, enquanto em Playsom, que entrou na trilha do jogo Fifa em 2015, o vocalista do Psirico, Márcio Victor, faz a percussão.
Em Duas Cidades, a aproximação entre show e discografia é consumada de uma vez por todas. Se no primeiro trabalho a sintonia com a performance ao vivo ainda era frágil, agora ocorre o avesso. É um álbum que surge das ruas de Salvador para o Brasil, como uma das principais obras produzidas nessa terra nos últimos anos.
Fonte> http://atarde.uol.com.br/cultura/musica/noticias/1760026-baianasystem-faz-trilha-sonora-para-a-salvador-do-seculo-xxi
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